sábado, 30 de julho de 2011

Entrevista: Ricardo Sasaki (parte 2)

            Conforme prometido, vamos então dar continuidade à entrevista com o Sasaki:




            CF – Como é trabalhar com os jogadores? Eles são muito manhosos ou fazem tudo da melhor maneira possível?

Sasaki – Vou te falar uma coisa que é bom de trabalhar aqui no São Paulo. Quando o jogador chega aqui, da mesma maneira que ele tem um nome e um prestigio, o Reffis também tem. Então ele vem sabendo onde esta pisando, existe um respeito. A gente nunca teve problema com nenhum atleta com relação a  vir tratar, não querer tratar. Aqui é muito difícil ter isso.

            CF – Algum jogador já fingiu estar machucado?

Sasaki – O famoso “migué” de jogador. Quando o jogador se machuca, ele vem dois períodos direto. Se o cara não quer ir para uma determinada partida, ele vai sofrer aqui dentro, porque vai ficar as vezes 3 horas de manhã e 3 horas a tarde. Só que  ele entra aqui, e não fica deitado na maca, se ele consegue correr na esteira sem dor, ele vai correr aqui.
Tem dois aspectos isso, um é fazer a manutenção da parte física dele, e o segundo, se ele tiver dando o “migué”, vai acabar trabalhando muito mais. Se você quiser perguntar pra qualquer atleta que entra aqui no Reffis, ele vai te falar que ele trabalha muito mais aqui.

            CF – Qual foi o caso mais complicado que você já pegou?

Sasaki – Sabe qual é o caso mais difícil? O caso mais difícil é sempre aquele que você está tratando no momento. Ou é o último, ou é aquele que você está tratando. É este que está te dando dor de cabeça, é este que tira seu sono. Então se vierem me perguntar hoje, o caso mais difícil é o do Luís Fabiano.
O retorno dele tem que ser uma coisa mais tranqüila, ele tinha uma tendinopatia no semi-tendinoso, que ele rompeu. Você sabe na verdade que este tendão é usado para fazer reconstrução do LCA, então na teoria iríamos deixar ele quieto para tentar cicatrizar, e não teria que pensar numa cirurgia. Só que este tendão já tinha um problema, e quando optamos por fazer esta cirurgia, a gente viu que o tendão dele estava alterado.

CF – E o Kaká? Você chegou a tratar ele por causa da dor no Púbis?

Sasaki – Tratamos ele com dor no púbis aqui, mas neste último ano ele ficou bem preso lá no Real Madrid.
É normal, acho que dor no púbis é normal, todo atleta tem dor no púbis. Ele ficou este último ano dentro do Real lá, se tratou, ficou acompanhado direto pelo pessoal do Real, então eu conversei com ele, mas conversei mais de outras coisas do que de vir tratar aqui alguma coisa.

            CF – Como funcionam nas viagens? A equipe de reabilitação faz um rodízio?

Sasaki – A maioria das viagens eu faço. Como o Rosan viaja mais por causa da seleção, eu assumo as outras viagens aqui. Uma ou outra o pessoal já pega, o Alê pega, o Beto também vai viajar, não tem  problema nenhum.
É uma coisa que a gente decidi, o setor é bem independente. Se a fisioterapia está trabalhando legal, está tudo direitinho, não está dando falha, então não tem problema nenhum, entre nós, a gente se ajeita, só não pode dar furo.

            CF – Nas viagens, onde vocês atendem os atletas?

Sasaki – O clube monta um quarto só para isso no quarto em que eu vou ficar.
Assim, eu procuro sempre levar tudo que tem de melhor em portáteis. Primeiro tomada, tem que levar um montão de plug. Além disso, tem estádio que não tem estrutura nenhuma, nem energia elétrica tem, então se tiver equipamento à pilha ou bateria é melhor.
Nesses jogos que você faz mais curtos, como campeonato brasileiro, com viagens mais curtas, você consegue levar pouca coisa, não precisa levar equipamentos grandes, pois acaba não usando.

            CF – E o que você não deixa de levar?

Sasaki – Sempre? Você tem que pensar na verdade, num trauma agudo, como um entorse, numa contusão.
Para o atleta que está indo com alguma coisa crônica, você vai levar algo para analgesia. Se ele estiver muito ruim e não tem condição de jogar, não vai nem viajar, então você sabe que ele está saindo daqui com condição de jogar.
 O máximo que você vai fazer é algum tipo de manutenção. Só alguns casos onde você vai com algum atleta que vai fazer algum teste lá, aí sim você leva algum outro tipo de equipamento, alguma coisa de eletroterapia, uma coisa maior.
Mas as coisas básicas são as bandagens compressivas, aqueles “U” de tornozelo, alguma coisa para fazer gelo, e alguns aparelhos de eletroterapia que te possam dar analgesia. Isso é o básico, alguma coisa pequena, tranqüila, que dê para levar.

            CF – Como é o convívio com a equipe técnica? Há muita cobrança?

Sasaki – A cobrança que tem é a cobrança normal, que existe em qualquer trabalho. O técnico vai sempre te perguntar quando que ele vai poder contar com um jogador, então você conversa e fala que pra daqui a 2 semanas, então você se programa pra daqui a duas semanas entregar o atleta, por que se não entregar, o técnico tem todo o direito de vir te pressionar, porque ele é pressionado. Mas isso é uma coisa muito profissional aqui dentro, você fala uma vez e pronto.

            CF – E a mudança de técnico, atrapalha?

Sasaki – Isso é ruim, tanto é que o São Paulo mantém. Mas a maioria dos técnicos são super tranqüilos em relação à isso. E o clube já filtra, porque a escolha de um técnico pra vir treinar o São Paulo é muito bem feita, não é um técnico despreparado.

            CF – Quais são os prós e os contras de trabalhar num grande time de futebol?

            Sasaki – E a coisa boa, é que eu trabalho com uma coisa que eu sempre quis trabalhar. É legal? É, é super legal!
Os contras são vários! Primeiro que eu estou velhinho, com 46 anos, estou cansado de viajar e trabalhar sábado e domingo. Trabalhar todo sábado e domingo, e quase nunca ter folga é uma coisa complicada, porque você tem família, e a idade, eu vejo que hoje com 46 anos eu demoro mais para me recuperar pras coisas que eu tenho que fazer, então isso é uma coisa que é desgastante.
Outra coisa chata é a cobrança que você tem de fora. Você perde um jogo importante e no dia seguinte não pode ir na padaria, você desce no seu prédio e o zelador já pergunta pra você “mas o que aconteceu?”, e você tem que ser educado e responder. São coisas chatas, você ter esta cobrança, e o dia que você não tiver muito legal, pode responder atravessado, ser mal educado e arrumar uma encrenca, então isso você também aprende no futebol.
E não é só quando perde, quando ganha o cara também quer perguntar as coisas, e você não quer falar sobre isso. Eu dificilmente falo de futebol fora do trabalho, eu evito.

            CF – Agora alguns clubes estão levando o fisioterapeuta para o campo,  atendendo as intercorrências no gramado. O que você acha disso?

Sasaki – Minha opinião é a seguinte, acho que é uma questão de funcionamento. Por exemplo, um atleta luxa o ombro, a gente tenta reduzir em campo e não consegue, desce para o vestiário, tenta reduzir no vestiário e não consegue, vai para o hospital. Quem tem que ir para o hospital, quem é mais gabaritado para chegar no hospital, passar o que está acontecendo, e até entrar num centro cirúrgico? Você acha que é o massagista que deveria estar no vestiário e o fisioterapeuta no campo?
Acho que dentro de campo é o médico para fazer o diagnóstico e ver se tem que descer para fazer um tratamento no vestiário, o massagista que muitas vezes também é enfermeiro e sabe fazer o curativo e a massagem que o fisioterapeuta aqui no Brasil não vai fazer, e o preparador físico.
Eu não vou poder ficar no campo. O massagista não vai ficar no vestiário para fazer o tratamento que eu acho que tem que fazer num atleta enquanto eu estou em campo. Então eu acho que sou mais útil fora do campo do que dentro.
Eu já ouvi algumas pessoas falando que você tem que fazer isso para aparecer a profissão. E não, a profissão não tem que aparecer desta maneira, só para estar na mídia. Apareça na mídia por um trabalho que você está fazendo bem feito.

            CF – Na sua opinião, o que é preciso para ser um bom fisioterapeuta?

Sasaki – Primeiro, gostar da fisioterapia, e mais que isso, gostar daquilo que você faz dentro da área da fisioterapia. Ser persistente naquilo que você quer fazer, naquilo que você gosta.
E lógico, você precisa estar preparado para poder estar trabalhando com isso. E não é só estudar, você tem que ter um pouco de prática também. A gente estuda, estuda, estuda, e na hora de aplicar aquilo na prática, algumas coisas são diferentes. Mas é muito importante você ter o embasamento, se você não tiver, você não consegue tocar a prática.

            CF – O que falta para a fisioterapia ser melhor valorizada no Brasil?

Sasaki – Olha, eu estou trabalhando hoje no HCor. Então eu tive uma outra visão, numa parte administrativa, com relação à plano de saúde, valores, enfim. Acho que a má remuneração leva à um mau atendimento, e um mau atendimento leva à um mau profissional.
O que acontece hoje no Brasil é, quem tem plano de saúde não quer pagar particular para poder fazer fisioterapia, e o que os planos de saúde pagam por atendimento é vergonhoso. Então você vai ficar se submetendo à um atendimento de baixo preço e de má qualidade.
Não dá para querer fazer um atendimento de ótima qualidade com o plano de saúde querendo te pagar 7 reais, 4 reais, pela fisioterapia. Assim, a imagem do profissional fica ruim, a fisioterapia é ruim e não dá resultado.

            CF – Que conselho você daria para um recém formado que quer trabalhar num grande clube de futebol?

Sasaki – Primeiro é você ter certeza daquilo que quer fazer. Dificuldades vão existir, claro que vão. Em São Paulo são 4 grandes clubes, então o número de fisioterapeutas é restrito. E quantos se formão todo ano? Por aí você já começa a ver o quanto é difícil. Vai ter que se preparar para isso.
Por isso que eu falei também, uma questão de sorte. Eu tive sorte? Tive, mas sorte é capacidade com oportunidade, tem que estar preparado para quando a oportunidade aparecer. Aparece a oportunidade e, se você não estiver pronto, é difícil, aí você vai perder aquela chance e talvez ela não volte mais.
Uma outra coisa também é que hoje todo mundo olha pra mim e acha fácil, ser fisioterapeuta do São Paulo. Mas não foi simples assim, a minha vida pessoal mudou muito trabalhando com esporte, eu me separei, você tentar arrumar uma família e uma mulher que aceite como é o futebol é difícil, a pessoa que está do seu lado tem que entender muito bem isso daí, é complicado.
E tem que pensar em tudo isso. Por que as pessoas só pensam no glamour, no futebol.
E se você quer sobreviver dentro do futebol, é uma outra coisa que eu falo, não apareça muito. Quem tem que aparecer são os jogadores, o técnico e alguns dirigentes do clube. Departamento médico quando começa a aparecer demais, está dando problema, a coisa não está boa.
Você tem que saber a sua posição dentro do clube, como fisioterapeuta, como quem cuida dos atletas. Quem começa muito cedo a trabalhar com esporte, com futebol, acha que tem que ter uma vida de atleta, quer seguir a mesma vida do atleta, e isso é um problema. Você sai com o atleta, tem amizade com ele?Sim, pode sair e ser amigo, não tem problema nenhum, só que você é da comissão técnica. São pequenos detalhes que você deixa se levar, e que podem dar problema.

É isso ai, espero que tenham gostado!



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